O TRABALHO FUNDAMENTAL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO!
Trava na língua
Dificuldade
de se expressar e ser crítico são as maiores deficiências dos recém-formados,
diz pesquisa. Empresas culpam instituições e professores
Gabriel Jareta
Mesmo
tendo crescido nas décadas em que os meios de comunicação se tornaram mais
rápidos e populares, quando chegam ao mercado de trabalho os jovens de hoje
ainda encontram dificuldades em lidar com habilidades sociais como
relacionamento interpessoal, comunicação oral e escrita e pensamento crítico.
Essas são as conclusões de uma pesquisa realizada com 192 executivos seniores
de 22 países da América Latina - a maioria das empresas localizadas no Brasil e
no México. Para especialistas, a formação superior pode ter um papel mais
relevante na formação para o mercado se considerar essas lacunas.
A
publicação Capacitação para competir - ensino pós-secundário e sustentabilidade
empresarial na América Latina, editada em 2009 pelo Economist Intelligence Unit
(EIU), instituto ligado à revista The Economist, mostra que a formação de
profissionais na região não está de acordo com o que o mercado deseja.
"(...) pensamento crítico, comunicação oral e escrita e habilidades
pessoais encabeçam a lista de qualificações que faltam na América Latina, o que
vai ao encontro do que os participantes consideram as qualificações mais
necessárias no ambiente corporativo global", analisa a publicação.
Mesmo
assim, os executivos ouvidos não apontam os jovens recém-saídos da universidade
como os principais culpados pelas falhas. De acordo com a pesquisa, a maior
queixa é em relação aos professores. Para 77% dos entrevistados, a qualificação
de professores para o ensino de habilidades sociais, como pensamento crítico e
liderança, precisa "melhorar significativamente". Por habilidade
sociais, a pesquisa entende o que em inglês se chama soft skills ou life skills
(habilidades pessoais), muito mais difíceis de se quantificar, e que envolvem
características como facilidade de negociação, networking e trabalho com
diversidades culturais.
No
Brasil, o mercado já há algum tempo reconhece essas falhas, que surgem logo nos
primeiros processos de seleção. "Quando falam sobre os pontos fracos, 90%
a 95% dos candidatos apontam marketing pessoal e habilidade política",
explica a consultora Claudia Monari, da Career Center, empresa especializada em
gestão estratégica de recursos humanos e carreiras. Para ela, o problema nem é
tanto a timidez na hora de falar ou a dificuldade em apresentar seus pontos de
vista, mas a habilidade de saber falar na hora certa. "Muitos desses jovens
não têm papas na língua, são impacientes e não sabem se colocar", afirma.
A gerente
de recursos humanos corporativos da Allis, Tatiana Bignami, acredita que a
falta dessas habilidades está não só relacionada a questões pessoais, mas
também à diferença entre o ambiente escolar e o ambiente de uma organização.
"A competição na faculdade é mais saudável, é saber quem tira a maior
nota. Dependendo da empresa, se for um ambiente muito competitivo, [o jovem] é
agredido o tempo inteiro. Acredito que essa carência vem da insegurança de
nunca ter vivido um ambiente organizacional", opina. Uma das soluções que
ela aponta é que as instituições de ensino superior devem, sim, ajudar os
alunos a desenvolver essa consciência antes de obter o diploma. "Nas
dinâmicas de grupo tenho percebido que alguns cursos já estão conseguindo se
adaptar e conseguem trabalhar com questões práticas", conta Tatiana.
Diante da
diferença entre o que o mercado espera de um jovem profissional e o que a
universidade oferece, muitas instituições de ensino superior recorrem a
especialistas em carreiras para inserir no dia a dia dos professores maneiras
de "polir" esses alunos para o ambiente de trabalho. Por outro lado,
apenas moldar os alunos para o mercado não deveria ser a atribuição principal
da educação superior, dizem especialistas. Para o consultor e escritor Sidnei
Oliveira, autor de Geração Y - Era das conexões - tempo de relacionamentos (200
págs./ R$ 37,58 - Clube dos Autores), uma das principais falhas na formação se
deve à incapacidade de adequar a sala de aula tradicional aos novos códigos da
comunicação. "As instituições ainda não estão preparadas porque o acesso à
informação não se dá mais necessariamente pelo professor. Não há mais a
premissa de que o professor é detentor de uma informação que os alunos não
têm", compara.
De acordo
com o consultor, o professor é hoje mais exigido pela capacidade de inovação,
de estabelecer relações a respeito do conteúdo. "Acontece de o aluno
descobrir que não está se preparando, mas tirando nota para passar de ano. É o
mesmo modelo do cursinho, no qual o professor dá a fórmula, e não o processo do
conhecimento", afirma Oliveira. De fato, a pesquisa da EIU revela que,
quando perguntados sobre a principal habilidade que será desejada no
profissional daqui a cinco anos, os executivos respondem que é o pensamento
crítico (81% veem como "muito importante"), seguido pelas aptidões
pessoais (80%) e pela capacidade de solucionar problemas (78%).
Mesmo que
o modelo de aprendizado esteja passando por um período de transição, fator que
Oliveira aponta para explicar o descompasso entre os códigos de professores e
alunos, um dos papéis imutáveis da universidade continua sendo o de orientar o
aluno em relação ao seu futuro profissional. "A Geração Y é muito menos
adaptada às carreiras tradicionais. Cabe ao professor ajudar esse jovem a ter
foco, o que muitas vezes ele não tem", diz o consultor.
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A consultora
Claudia Monari: as instituições precisam ser proativas
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A visão
de Claudia Monari é bastante pragmática em relação à formação de alunos para o
mercado. Para ela, a universidade, em geral, está distante da vivência real do
ambiente de trabalho e não está preparando o aluno do ponto de vista das
habilidades pessoais. "As instituições precisam ser proativas e procurar
as empresas, perguntar o que elas querem", diz a consultora. Ela sugere,
por exemplo, que a universidade convide para a sala de aula pessoas do mercado.
"É preciso incluir mais realidade no currículo. Muitas vezes os alunos
estão diante de um professor que não tem experiência corporativa", afirma.
Outra
sugestão de Claudia é que cursos da área de exatas, mais afeitos aos números
que às pessoas, deveriam incluir no currículo disciplinas relacionadas a
comportamento - segundo ela, isso já ocorreu em uma instituição conceituada de
São Paulo após reclamações do mercado. "Tínhamos problemas a ponto de o
gestor [de RH] não querer mais alunos dessa instituição. A partir daí eles
incluíram orientações na grade", relembra.
Para
tentar diminuir a distância entre o mercado e a sala de aula, muitas empresas
têm investido em uma aproximação para formar um perfil de profissional próximo
ao que ela deseja para seus quadros. Essa também é uma das constatações da
publicação da EIU, para quem a atual forma de cooperação entre o setor privado
e a educação "não é adequada", ou seja, ainda é incipiente na América
Latina. A saída seria apostar na abertura de canais de comunicação com as
instituições de ensino superior - e, para um terço dos executivos brasileiros,
o setor privado "deveria participar na elaboração do currículo
educacional". Caso contrário, conclui a publicação, a "carência de
qualificações [de trabalhadores] na América Latina mina a competitividade das
empresas da região".
Embora
seja um desejo legítimo do mercado, essa interferência direta está longe de ser
um ponto pacífico. Para Tatiana Bignami, a maioria das universidades consideradas
de primeira linha não tem o foco no ambiente organizacional. Além disso, em
cada empresa há uma cultura, o que provoca uma dificuldade a mais para o
professor tentar levar essas questões para a sala de aula. "Acredito que
ainda falta debate sobre o assunto, como é a melhor forma de adaptar [os
currículos] à realidade do mercado, para colocar esse conhecimento em forma de
construção", conclui.
Executivos sugerem ações
Além de apontar a
necessidade de qualificação de professores e alunos em habilidades sociais,
como pensamento crítico e liderança, a pesquisa Capacitação para competir -
ensino pós-secundário e sustentabilidade empresarial na América Latina, editada
pelo Economist Intelligence Unit, instituto ligado à revista The Economist,
enumerou algumas possibilidades de como as próprias empresas podem colaborar
para a formação dos jovens profissionais.
As três ações mais
importantes citadas pelos executivos foram, pela ordem: desenvolver programas
que introduzam o estudante ao ambiente de trabalho; patrocinar programas
especiais para desenvolver habilidades sociais, como workshops de liderança; e
trabalhar com instituições de ensino superior para desenvolver currículos.
Outra questão
levantada junto aos entrevistados foi a respeito das ações das universidades e
faculdades que mais poderiam ampliar o acesso dos estudantes às qualificações
necessárias para a competição global. Cada entrevistado deveria selecionar as
três mais importantes.
Os resultados foram: programas de pesquisa
que explorem problemas ou situações do mundo real (69%); professores em meio
período recrutados entre profissionais do mercado (47%); e programas de
intercâmbio no exterior (36%).
Instituições estimulam a prática profissional
O desafio histórico
da universidade é fazer com que os bancos escolares formem profissionais que
não só dominem a teoria, mas que também sejam capazes de se adaptar à realidade
das organizações: problemas reais do cotidiano, competitividade acirrada,
modificação dos códigos de trabalho tradicionais. Embora o estágio seja
obrigatório em diversas áreas, a atividade com hora marcada e para fins
acadêmicos nem sempre é suficiente para mostrar ao aluno a prática do trabalho.
Para tentar sanar essa lacuna, algumas instituições perceberam que é hora de
modificar a abordagem em relação aos desejos do mercado.
Sediada em Fortaleza, a Faculdades Nordeste
(Fanor) tem como uma das diretrizes estimular a vivência do aluno no mercado de
trabalho antes da formatura. Atualmente, faz parte das grades dos cursos da
faculdade um programa de 200 horas de atividade extracurricular. Um aluno de
engenharia, por exemplo, precisa conhecer uma linha de produção do começo ao
fim. Já um estudante de economia vai para uma corretora conhecer o mercado de
capitais. Implantado há poucos anos, o chamado PEX (programa de experiências)
consiste de um "passaporte" em que essas - e muitas outras -
atividades são computadas até que o aluno atinja um determinado número de
pontos.
Do mesmo modo, os professores da Fanor são
orientados a aplicar em sala de aula estudos de caso - reais ou fictícios.
"Os alunos passam a ver com outros olhos como é a prática no dia a
dia", afirma Tatiana Scipião Araujo, professora do curso de administração
da Fanor.
Na Universidade do
Vale do Itajaí (Univali), a experiência de alguns cursos mostrou-se uma via
entre o mercado e a universidade. Além de procurar um contato estreito com o
mercado, para conhecer as necessidades das empresas e as deficiências mais
frequentes entre os profissionais, a universidade é campo, por exemplo, para
teste de tecnologias e novos equipamentos e produtos. "Antes de ofertar
novos cursos, temos de saber qual é a real demanda pós-curso, se a região
comportará esses profissionais. Não adianta montar um curso quando o mercado já
está saturado de bons profissionais", afirma Carlos Alberto Tomelin,
diretor do centro de Ciências Sociais Aplicadas - Comunicação, Turismo e Lazer.
Apesar da busca pela ambientação profissional
adaptada aos cursos, Tomelin ressalta que é preciso tomar cuidado para não
transformar os cursos em "reféns do mercado". "Tentamos fugir de
paradigmas como o de que para um aluno é necessário dominar determinado
software. O que ele precisa saber é quais opções existem para decidir qual
utilizar", afirma. Além disso, a Univali implantou disciplinas comuns a
todos os cursos, com a intenção de corrigir as falhas de que o mercado se
queixa, como as de processo criativo, marketing e empreendedorismo. "A
empregabilidade é um artigo de luxo. O aluno precisa sair com as habilidades e
o conhecimento que as novas profissões e as novas formas de trabalho
demandam", diz Tomelin.